quarta-feira, janeiro 11, 2006

Por uma cultura de responsabilidade (1)

Por uma cultura de responsabilidade

Pela boca morre o peixe (1)
Por E. Macamo

Há muito tempo que deixei de acreditar na ideia de que o desenvolvimento é algo que tem a ver com o crescimento económico e a melhoria dos indicadores sócio-económicos. Isto é capaz de ser uma heresia nos tempos que correm. Todavia, algo me diz que há algum proveito em resistir à associação entre desenvolvimento e crescimento económico. Há duas razões que me parecem sustentar a necessidade desta resistência. A primeira é de que só o crescimento económico por si não significa o fim da pobreza, absoluta ou não. Significa apenas que alguns vão ficar mais ricos, numa primeira fase. O mais relevante nessa associação seriam as políticas de redistribuição da riqueza. A segunda razão apoia-se no receio de que essa associação seja usada pelos nossos políticos para justificarem a sua incapacidade de tornar o desenvolvimento realidade. Na verdade, quando se toma em consideração o nosso ponto de partida é quase impossível imaginar que o nosso País tenha alguma hipótese de desenvolvimento. Está tudo contra. Nessas circunstâncias, a insistência na ideia de que o desenvolvimento tem a ver com o crescimento económico seria uma maneira fortuita de dizer, com outras palavras, que a missão é impossível.
Seria interessante continuar a discussão destas razões. Contudo, interessa-me um outro assunto, nomeadamente a responsabilidade. Em cada uma das razões apresentadas a questão da responsabilidade desempenha um papel importante. O crescimento económico não estabelece nenhum vínculo entre os eleitores e os seus representantes. As políticas de redistribuição sim. Dito doutro modo, o que dá substância à política é a conversa entre os que devem decidir e executar, por um lado, e os que depositam a sua confiança nos decisores e executores. Igualmente, a pior maneira de fazer política é formular metas nebulosas. O desenvolvimento, a eliminação da pobreza absoluta, o combate ao espírito do deixa-andar, à corrupção, ao burocratismo e à criminalidade são metas nebulosas.
A intenção por detrás da formulação destas metas é nobre e legítima, disso não há dúvidas. A experiência dos primeiros meses de governação de Armando Guebuza prova, contudo, que não é por aqui que a política deve trilhar. As rusgas ministeriais não vão resolver muita coisa se não forem interrogados os mecanismos institucionais que deviam impedir o espírito do deixa-andar. A substituição de “corruptos” dos lugares de chefia não vai resolver muita coisa se ao mesmo tempo não se procurar saber o que falhou no funcionamento do aparelho do estado para que essa gente ficasse tanto tempo no poleiro e fizesse tanto estrago. Ultimamente, parece que o próprio Presidente se apercebeu deste problema, pois tem vindo a insistir na necessidade de definição de metas claras para se poder avaliar o seu cumprimento ou não. Vamos orar para que insista nesta tecla com o mesmo fervor missionário que emprestou ao combate ao espírito do deixa-andar.
O desenvolvimento está nas pequenas coisas da vida. Lembro-me de já ter escrito isto. No respeito pelos outros, pela coisa pública e, acima de tudo, na responsabilidade. Os que nos querem ajudar falam de “boa governação” ressuscitando, dessa forma, a maneira da Frelimo revolucionária de mudar o mundo com chavões. É verdade que boa governação é boa coisa, mas lá está, é coisa nebulosa. É democracia? É transparência? É boa política económica? É ajustamento estrutural? E se é tudo isso, para que precisamos das outras palavras? Estou a fugir do tema, mas só mais uma achega: Boa governação cria o vínculo de responsabilidade entre a nossa classe política e os que nos ajudam, não entre nós e a nossa classe política.
Penso que uma maneira útil de definir o desenvolvimento nas condições actuais do nosso País consiste em reduzi-lo à capacidade de responsabilizar os que têm o mandato do povo pelo que dizem e fazem. Infelizmente, o nosso sistema político é fraco neste aspecto. É um sistema político para o inglês ver. Os políticos – no poder e na oposição – dizem o que lhes dá na gana, fazem o que lhes apetece, mas quando chega o momento que devia ser da verdade, a saber, as eleições, não parece ser o seu desempenho o critério principal para decidir se devem continuar a ter a confiança dos eleitores. É outra coisa que ainda não consegui entender e sobre a qual vou tentar me debruçar nesta reflexão.
Interessa-me, contudo, olhar com um pouco de atenção para a substância do que se diz no nosso debate político. Talvez resida aí a explicação do que emperra a nossa máquina política. O que se diz tem um interesse sociológico muito grande e é por aí que me vou aventurar. Em sociologia existem duas posições fundamentais. Uma é de opinião que o social existe e age sobre o indivíduo. Apega-se a instituições como a família, a etnia, o Estado, o partido, etc. para dizer que o indivíduo age dentro dos limites estabelecidos por elas. A outra posição, a que orienta o meu próprio trabalho, parte do princípio de que o social é o que os indivíduos fazem no seu dia a dia. Não tem existência anterior ao indivíduo, antes pelo contrário, é produzido repetidamente pelo indivíduo. A família existe porque todos os dias há homens apostados em serem maridos, mulheres apostadas em serem esposas, crianças apostadas em serem filhos, e por aí fora. Quando o homem ou a mulher decidem que chegou o momento de pôr termo à farsa a família deixa de existir. Bom, pelo menos essa família. As outras continuam da mesma maneira, sustentadas por legislação que as reconhece como algo fundamental à existência da nossa sociedade. Mas aí também isso só é possível porque temos advogados de família, tribunais, tipos de impostos, abonos familiares, etc. apostados em investir na ideia da existência da família.
Nada é natural, tudo resulta do que nós fazemos. Vem daqui a importância do que as pessoas dizem. Ao falarem estão, fundamentalmente, a documentar a forma como elas produzem o social. O que as pessoas dizem não é, neste sentido, inocente. Não incrimina, mas revela o que as pessoas pensam do meio em que vivem e, acima de tudo, como elas participam na produção desse meio. Proponho, portanto, uma série de artigos em que me vou debruçar sobre afirmações e, com muita maldade – peço desde já desculpas por isso – vou procurar trazer à superfície o tipo de atitudes que nos impedem de emprestar ao nosso sistema político a cultura de responsabilidade de que tanto precisa para poder fazer o tal desenvolvimento. No fim de tudo vou recuperar a questão da responsabilidade. O peixe pode morrer pela boca, mas é pelo bem dos Homens que o vão consumir. Espero que a denúncia do que dizemos contribua para o nosso bem.

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Por uma cultura de responsabilidade

Por uma cultura de responsabilidade

Pela boca morre o peixe (1)
Por E. Macamo

Há muito tempo que deixei de acreditar na ideia de que o desenvolvimento é algo que tem a ver com o crescimento económico e a melhoria dos indicadores sócio-económicos. Isto é capaz de ser uma heresia nos tempos que correm. Todavia, algo me diz que há algum proveito em resistir à associação entre desenvolvimento e crescimento económico. Há duas razões que me parecem sustentar a necessidade desta resistência. A primeira é de que só o crescimento económico por si não significa o fim da pobreza, absoluta ou não. Significa apenas que alguns vão ficar mais ricos, numa primeira fase. O mais relevante nessa associação seriam as políticas de redistribuição da riqueza. A segunda razão apoia-se no receio de que essa associação seja usada pelos nossos políticos para justificarem a sua incapacidade de tornar o desenvolvimento realidade. Na verdade, quando se toma em consideração o nosso ponto de partida é quase impossível imaginar que o nosso País tenha alguma hipótese de desenvolvimento. Está tudo contra. Nessas circunstâncias, a insistência na ideia de que o desenvolvimento tem a ver com o crescimento económico seria uma maneira fortuita de dizer, com outras palavras, que a missão é impossível.
Seria interessante continuar a discussão destas razões. Contudo, interessa-me um outro assunto, nomeadamente a responsabilidade. Em cada uma das razões apresentadas a questão da responsabilidade desempenha um papel importante. O crescimento económico não estabelece nenhum vínculo entre os eleitores e os seus representantes. As políticas de redistribuição sim. Dito doutro modo, o que dá substância à política é a conversa entre os que devem decidir e executar, por um lado, e os que depositam a sua confiança nos decisores e executores. Igualmente, a pior maneira de fazer política é formular metas nebulosas. O desenvolvimento, a eliminação da pobreza absoluta, o combate ao espírito do deixa-andar, à corrupção, ao burocratismo e à criminalidade são metas nebulosas.
A intenção por detrás da formulação destas metas é nobre e legítima, disso não há dúvidas. A experiência dos primeiros meses de governação de Armando Guebuza prova, contudo, que não é por aqui que a política deve trilhar. As rusgas ministeriais não vão resolver muita coisa se não forem interrogados os mecanismos institucionais que deviam impedir o espírito do deixa-andar. A substituição de “corruptos” dos lugares de chefia não vai resolver muita coisa se ao mesmo tempo não se procurar saber o que falhou no funcionamento do aparelho do estado para que essa gente ficasse tanto tempo no poleiro e fizesse tanto estrago. Ultimamente, parece que o próprio Presidente se apercebeu deste problema, pois tem vindo a insistir na necessidade de definição de metas claras para se poder avaliar o seu cumprimento ou não. Vamos orar para que insista nesta tecla com o mesmo fervor missionário que emprestou ao combate ao espírito do deixa-andar.
O desenvolvimento está nas pequenas coisas da vida. Lembro-me de já ter escrito isto. No respeito pelos outros, pela coisa pública e, acima de tudo, na responsabilidade. Os que nos querem ajudar falam de “boa governação” ressuscitando, dessa forma, a maneira da Frelimo revolucionária de mudar o mundo com chavões. É verdade que boa governação é boa coisa, mas lá está, é coisa nebulosa. É democracia? É transparência? É boa política económica? É ajustamento estrutural? E se é tudo isso, para que precisamos das outras palavras? Estou a fugir do tema, mas só mais uma achega: Boa governação cria o vínculo de responsabilidade entre a nossa classe política e os que nos ajudam, não entre nós e a nossa classe política.
Penso que uma maneira útil de definir o desenvolvimento nas condições actuais do nosso País consiste em reduzi-lo à capacidade de responsabilizar os que têm o mandato do povo pelo que dizem e fazem. Infelizmente, o nosso sistema político é fraco neste aspecto. É um sistema político para o inglês ver. Os políticos – no poder e na oposição – dizem o que lhes dá na gana, fazem o que lhes apetece, mas quando chega o momento que devia ser da verdade, a saber, as eleições, não parece ser o seu desempenho o critério principal para decidir se devem continuar a ter a confiança dos eleitores. É outra coisa que ainda não consegui entender e sobre a qual vou tentar me debruçar nesta reflexão.
Interessa-me, contudo, olhar com um pouco de atenção para a substância do que se diz no nosso debate político. Talvez resida aí a explicação do que emperra a nossa máquina política. O que se diz tem um interesse sociológico muito grande e é por aí que me vou aventurar. Em sociologia existem duas posições fundamentais. Uma é de opinião que o social existe e age sobre o indivíduo. Apega-se a instituições como a família, a etnia, o Estado, o partido, etc. para dizer que o indivíduo age dentro dos limites estabelecidos por elas. A outra posição, a que orienta o meu próprio trabalho, parte do princípio de que o social é o que os indivíduos fazem no seu dia a dia. Não tem existência anterior ao indivíduo, antes pelo contrário, é produzido repetidamente pelo indivíduo. A família existe porque todos os dias há homens apostados em serem maridos, mulheres apostadas em serem esposas, crianças apostadas em serem filhos, e por aí fora. Quando o homem ou a mulher decidem que chegou o momento de pôr termo à farsa a família deixa de existir. Bom, pelo menos essa família. As outras continuam da mesma maneira, sustentadas por legislação que as reconhece como algo fundamental à existência da nossa sociedade. Mas aí também isso só é possível porque temos advogados de família, tribunais, tipos de impostos, abonos familiares, etc. apostados em investir na ideia da existência da família.
Nada é natural, tudo resulta do que nós fazemos. Vem daqui a importância do que as pessoas dizem. Ao falarem estão, fundamentalmente, a documentar a forma como elas produzem o social. O que as pessoas dizem não é, neste sentido, inocente. Não incrimina, mas revela o que as pessoas pensam do meio em que vivem e, acima de tudo, como elas participam na produção desse meio. Proponho, portanto, uma série de artigos em que me vou debruçar sobre afirmações e, com muita maldade – peço desde já desculpas por isso – vou procurar trazer à superfície o tipo de atitudes que nos impedem de emprestar ao nosso sistema político a cultura de responsabilidade de que tanto precisa para poder fazer o tal desenvolvimento. No fim de tudo vou recuperar a questão da responsabilidade. O peixe pode morrer pela boca, mas é pelo bem dos Homens que o vão consumir. Espero que a denúncia do que dizemos contribua para o nosso bem.
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