segunda-feira, janeiro 25, 2010

SOBRE A GERAÇÃO DA VIRAGEM

(Texto do Analista político Egidio Vaz, publicado a propósito do debate em torno da Geração da Viragem, termo adoptado pelo Presidente de Moçambique Armando Guebuza para apelidar a juventude Moçambicana na actualidade )

colegas,

Era minha intenção não intervir neste debate (sobre a Geração da Viragem) porque o acho bastante complexo. Pessoalmente e do ponto de vista metodológico e historiografico, sinto que alguém está sim a colocar a carroça à frente dos bois. A nomenclatura de gerações é normalmente feita a posteriori e não a priori,da mesma forma como se procede em relação à heroificação de um indivíduo . E para tal, procede-se à um conjunto de metodologias, revisita-se a história, verificam-se vários factos históricos; vários acontecimentos e por último, agarra-se num facto para metonímicamente caracterizar a toda uma geração. E por falar específicamente em gerações, importa referir que se está a fazer vista grossa à um pormenor bastante importante para a História deste país. Se quisermos historiar o processo político, social e económico deste país através de gerações, veremos que da dita geração 25 de Setembro á Geração 8 de Março vão aproximadamente menos de 25 anos, que é normalmente o comprimento que separa as gerações. Pior, se por geração se quer caracterizar a todo um período histórico do país, com suas especificidades, então teremos um grande problema em relação ao mérito da geração 8 de Março, devido a problemas que ela arranjou e não resolveu: a morte de Samora Machel, a Guerra dos 16 anos, etc. Assim, Afonso Dhlakama, André Matsangaísse, o General Bobo aka Hermínio Morais (que derrubou a ponte sobre Dona-Ana) seriam também parte indiscutível da geração 8 de Março de que hoje nos orgulhamos! Sobre este potno, falarei numa outra ocasião.
Para o que nos interessa, acho que o Presidente da República decidiu apelidar-nos por geração de viragem para "saciar a fome de uma clique de jovens" da Frelimo que procura uma identidade própria e, por essa via, um lugar ao sol no seio de várias correntes e grupos de interesse do partido Frelimo e assim reclamar um quinhão.
Na verdade todas gerações são/foram de viragem. Viragem contra o estado colonial, buscando a independência; viragem da Província Ultramarina de Moçambique para a República Popular de Moçambique; viragem do sistema socialista/monopartidário para multipartidário e de economia orientada para o mercado, etc.
É essencialmente de actos heróicos indeléveis que distingue uma geração da outra. Ora, chamar-nos de uma geração de viragem não passa de facto de uma piada!
Primeiro porque ela no fundo não existe. Não faz sentido aceitarmos um título porque o trabalho mal começou.
Segundo, porque do ponto de vista metodológico, esse acto equipara-se sim ao acto de colocar a carroça a frente dos bois. Estamos ainda no começo de uma geração; mal se consegue vislumbrar o futuro do país; o país vive à sombra dos feitos da geração 25 de Setembro; os jovens enfrentam problemas básicos, que de forma sistemática torpedeam a sua emancipação; difícil é imaginar sairmos do fundo deste poço como fez oBarão de Münchhausen.
Terceiro, porque na verdade, não seremos nós, a avaliar o nosso trabalho; não estamos em melhores condições para aferir a diferença que fazemos no presente ou faremos no futuro, quando as outras gerações nos suceder. Serão outros a fazê-lo mas nunca a geração 25 de Setembro. E a modéstia obriga-me a agradecer pela gentileza e declinar o título. Pelo menos eu não faço parte da geração de viragem.
Mas voltemos ao princípio para compreendermos porque então o PR decidiu apelidarmos de geração de viragem.
Em primeiro lugar digo que foi sim um acto jocoso. Está a gozar connosco. No fundo, ele até nem assim nos considera. Para quem está atento, e relendo as passagens de colegas, tiradas dos vários discursos do PR, ele impõe condições para que assim sejamos considerados. Por outras palavras, o PR está a dizer aos "seus jovens" que ainda não fizeram nada. E se quisermos merecer alguma distinção, devemos fazer qualquer coisa útil e heróica para este povo. Como se não bastasse, ele aponta algumas dessas coisas. A subtileza da sua linguagem e a ironia patente nos seus discursos e mensagens, fazem com que a maioria de jovens distraídos não seja capaz de ver, pensar e agir. Logo correram em assumir que o PR disse que nós eramos a geração de viragem, qual rolas em fuga debandada!
Segundo, o PR só assim procede porque a Frelimo vive um dilema interessante: o conflito geracional por um lado e a necessidade de garantir a passagem tranquila do testemunho sem contudo descaracterizar a essência do que a Frelimo é, por outro. Não é por acaso que os conceitos deJovem e sangue novo são na Frelimo, polissêmicas. Meses antes de Armando Guebuza assumir a secretaria-geral da Frelimo, falava-se aos quatro ventos da necessidade de se injectar na Frelimo sangue novo. A ideia que a maioria tinha era de que Eduardo Mulémbue ou Hélder Muteia seriam finalmente o sucessor de Joaquim Chissano. Mas, a medida que nos iamos aproximando do momento exacto, apareceu o histórico Nihia numa longa entrevista do Noticias a explicar o verdadeiro sentido de sangue novo e da juventude. Foi nessa altura que ficamos claros. Armando Gubuza foi assim o sangue novo e o jovem que a Frelimo elegeu para assumir a liderança da Frelimo e por essa via chegou a liderança do país.
Há bem pouco tempo, o General Hama Thai veio pôr as coisas muito bem claras, quando em entrevista ao Magazine Independente disse que os Jovens eram capazes de vender o país. O debate levou muitos dias, até que ele voltou a explicar o sentido dessa "venda". Em todo esse processo, fica patente o receio que a Frelimo nutre pela sua juventude, com óbvias consequências para o país inteiro!
E porque a Juventude da Frelimo quer que lhe seja reconhecida algum mérito pelas vitórias que o partido e o governo vêm somando; pelo sucesso dalguns dos seus programas e, acima de tudo, porque estatísticamente o país é essencialmente jovem e daí inferir-se a ideia de que são jovens que dão vitória a Frelimo e seus candidatos, vai assim a Frelimo apelidar à sua juventude de geração de viragem, por outras palavras, geração de nada.

Em vez de discutirmos o trocadilho de palavras, seria útil se os jovens da Frelimo preocupassem-se em aumentar o seu capital político e influência dentro da Frelimo, no Governo e na agenda do próprio PR para assim lograrmos ter um programa de governo que tenha na Juventude, o seu centro de acção. Se calhar, esse seria o primeiro passo para uma verdadeira VIRAGEM em todas suas facetas! E depois, os outros procuriam um nome para designar a nossa geração.

Egidio Vaz


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