sexta-feira, julho 03, 2009

Política Externa Moçambicana e o Tribunal Penal Internacional



O Ordem dos Advogados de Moçambique levantou um debate que é novo e de extrema importância para Moçambique como um Estado de Direito. O debate é novo, mas o país o conhece há muito tempo. Trata-se da matéria referente ao Tribunal Penal Internacional (TPI).

O Tribunal Penal Internacional é criado pelo Estatuto de Roma, aprovado em 1998. Em 2002 o Tribunal foi estabelecido em Haia e tem competência para julgar os crimes de guerra, os crimes contra a humanidade e os genocídios, para além dos crimes de agressão que entretanto ainda não estão devidamente definidos.

De todas as maneiras, a pergunta que se faz é: porque Moçambique não é parte do estatuto de Roma? Qual o medo que tem de ser parte do Tribunal Penal Internacional? Há vantagens ou não em ser parte deste Tribunal Penal? E porque alguns países são contra este Tribunal Penal Internacional?

Deixe-me responder algumas das perguntas acima colocadas dizendo em primeiro lugar que, o Tribunal Penal Internacional tem carácter complementar ou subsidiário ao sistema nacional de administração de justiça, isto é, se o Estado pode julgar os tais crimes dentro da sua máquina penal, não há necessidade do recurso ao TPT.

O Tribunal Penal Internacional só julga os casos quando os tribunais nacionais não o puderem fazer ou quando simplesmente não querem, ou ainda quando manifestem sinais de manobras dilatórias, entre outras. No caso de Ruanda por exemplo, alguns acusados no crime de genocídio de 1994 foram julgados nos tribunais nacionais sem precisarem de passar para o TPI.

Em segundo lugar, é preciso sublinhar que o Tribunal Penal Internacional tem competência para julgar indivíduos e não Estados. Há um outro tribunal, também sedeado em Haia, que tem a competência para julgar Estados, trata-se do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), que se necessário poderemos falar dele noutra altura.

Agora, porque Moçambique não é parte do TPI? A resposta é simples e clara: Moçambique adoptou uma política externa de fuga de responsabilidade quando se trate de matéria de direitos humanos. Só para ver, Moçambique não aceita que cidadãos moçambicanos ou ONGs apresentem queixas contra si no Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos. Moçambique não é parte do Segundo Protocolo Facultativa ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, mesmo sendo parte do Pacto.

Na Comissão Africana é devedor de cinco relatórios sobre a implementação da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos. Para além de que, ao TPI, embora tenha assinado, não sendo parte, já assinou, da mesma forma que Angola e outros Estados parecidos, um acordo bilateral com os Estados Unidos em que afirma não vir levar os cidadãos estadunenses a responsabilidades no TPI, na eventualidade de um dia vir a fazer parte. O que significa que os americanos poderão fazer e desfazer neste país, se quiserem.

Não é por incompatibilidades constitucionais que Moçambique não é parte do TPI, a razão é que o Estado adoptou uma politica externa irresponsável na matéria de Direitos Humanos. Será necessário alterar a ordem constitucional para acomodar o TPI? Não necessariamente. Porque se a ordem penal interna estiver a funcionar devidamente, nem há necessidade do TPI. O caso de Ruanda é um exemplo claro, muitos acusados de genocídio foram internamente julgados e condenados alguns à penas maiores e outros à menores que as do TPI e Ruanda não foi por isso criticado.

Ruanda só foi criticado porque à alguns aplicou a pena de morte e esta pena é contrária aos princípios da protecção da dignidade humana. Os países não são por exemplo obrigados a terem penas perpétuas ou parecidas às do TPI, desde que julguem convenientemente esses crimes. Na eventualidade do Estado parte do TPI achar que as penas nacionais são relativamente inferiores e gostaria que os acusados tivessem penas mais altas, pode remete-los ao TPI sem precisar alterar seu Código Penal, assim também como se achar que as penas do TPI são demasiadamente altas, pode julgar de acordo com as suas leis.

Uma das vantagens em ser parte do TPI é o fim da impunidade, ou seja, se o Estado parte for vítima de algum criminoso que caiba no TPI, mesmo não tendo condições para por si julga-lo, pode remete-lo ao TPI. E, nenhum outro Estado por mais forte que seja fará o filme que os Estados Unidos fizeram no Iraque por exemplo, onde o país não fazendo parte do TPI, Saddam Hussein foi obrigado a ser julgado em um Tribunal fantasma, criado de forma arrogante pelos EUA para acomodar os seus interesses. Lembrar que Iraque foi contra o TPI pelos argumentos dos EUA.

Quais são os países contra o TPI? São eles, os Estados Unidos da América, a China, o Iraque, o Israel, a Líbia, o Iémen e o Qatar. Nem precisamos fazer uma grande ginástica para perceber porque estes países estão contra o TPI, basta-nos olhar para o seu perfil na conjuntura internacional, a sua politica externa, os seus interesses e como eles são prosseguidos ao longo do globo.

Alguns desses países são somente reboques dos mais fortes. O mesmo acontece ao longo de África, Ásia e América Latina, onde os países mais fracos e muitas vezes em troca de protecção, donativos e apoios económicos vão repetindo a voz dos mais fortes fazendo côro de repúdio ao TPI, ou simplesmente fugindo de o ratificar.

Na verdade, os mais fortes usam argumentos como a independência do TPI em relação ao Conselho de Segurança das Nações Unidas como um grande perigo para as nações e, na verdade, o que pretendem é um espaço desprotegido para cometerem os crimes de guerra, os crimes contra a humanidade e genocídios se necessário, como aconteceu no Iraque. Infelizmente para Saddam, ele foi vítima das suas próprias decisões, tomadas quando ainda era amigo dos EUA.

Hoje, o Estado Africanos partes no TPI ameaçam abandonar o Estatuto de Roma se o mandado contra Omar Hassan Ahmad al Bashir, o presidente do Sudão prevalecer. Mais uma vez estamos perante uma posição bastante caricata e perigosa para o cenário político africano quando analisado na perspectiva dos Direitos Humanos. O que não percebo é porque é que os dirigentes africanos querem governar de forma irresponsável?

O TPI é criticado por ter mencionado mais africanos que europeus. Pode ser verdade em relação a europeus, mas há muitos não africanos nos encalços do TPI e o facto de este Tribunal ter somente cerca de uma década vale a pena darmos o benefício da dúvida.

Quero concluir dizendo que o TPI é mais uma garantia fundamental da realização dos direitos humanos. Um mundo com esse Tribunal é relativamente mais seguro que aquele sem ele, sendo que o medo de adesão só pode ser falso e com fundamentos desonestos.

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