quinta-feira, março 04, 2010

Há ou não desenvolvimento em Moçambique?


Do paradoxo da percepção do povo e dos Relatórios

Sempe defendi o princípio de especialidade, mesmo, para defender a ideia de que o especialista é autoridade na sua área. Sei que me estou a meter em caminhos desconhecidos e que, posso me perder na abordagem, mas nada me impede de tentar, até porque se conseguir a reacção de especialistas, dar-me-ei por satisfeito.
O meu trabalho me permite andar um pouco por todo pais, desde as cidades, distritos, vilas e localidades e, sob olhar insuspeito, assisto um pouco por todo lado sinais claros de mudanças e avanços e, nunca perco uma oportunidade de dialogar com a população, mesmo para ter a sua percepção sobre o desenvolvimento. 
Elogia-se um pouco por todo lado o crescente fornecimento de serviços básicos, de saúde, educação, água e saneamento e a população tem sabido buscar exemplos recentes para explicar a diferença quantitativa/qualitativa entre ontem e hoje. Dizem-se satisfeitos na sua maioria, embora apontem algumas áreas de estrangulamento, como os da água e da saúde apesar de esforços feitos no sentido de melhoria.
Mas fora os depoimentos populares, consegue-se vislumbrar uma espécie de orientação para o desenvolvimento, onde se definem campo específicos de actuação como o de saúde e educação que quanto a mim, pese embora os percalços, registam-se melhorias.
Sempre se dirá, que na educação por exemplo, o crescimento foi quantitativo, mas, tal, representa um excelente ponto de partida quando se pretende alcançar a qualidade, ao que, doravante exige-se uma orientação de esforços para a qualidade, um plano estruturante.
Ora, um dos problemas que se colocam numa economia de mercado é a questão da planificação, porquanto, se diz ser difícil planificar num mercado que se auto regula. Na verdade, evita-se aqui e percebe-se que o Estado tome uma posição orientadora, dirigista  e/ou intervencionista, mas quanto a mim e principalmente em economias africanas será sempre necessário planificar (se bem que em todas as economias mundiais), até porque hoje, a questão de eleger o Distrito como pólo de desenvolvimento e aliado a atribuição de um orçamento (7 milhões), mostra-se, um plano de desenvolvimento muito mais ambicioso e que quando bem monitorado pode produzir os frutos que se pretendem e me parece que em alguns lugares já produz.
E, me parece ser aqui, onde nasce, a questão da percepção do desenvolvimento em Moçambique, pois, o povo, este, sente que estamos a avançar, quando os doadores, acham que não.
A mim, parece-me que os doadores não estão satisfeitos com esta visão do Distrito como pólo de desenvolvimento e nem com o desenvolvimento que os sete milhões podem criar. Assusta-lhes que estejamos a tomar medidas para o desmame e quando nos devemos manter dependentes. Preocupa-lhes que nos seus prognósticos digam que cresceremos em 2% por exemplo e os surpreendermos com um crescimento na ordem dos 6%.
É que, o ideal para os doadores seria em que numa situação em que a previsão de crescimento aponta-se em 2%, nos situássemos nos 0,1 a 2% e nunca num número superior ao previsto, isto porque estaríamos a contrariar a lógica dos seus números que se presumem acertados, números que devem crescer ao ritmo e sabor deles, números que os devem obedecer, números que não corram, senão quando lhes convém e quando querem provar algo.
Logo se vê que para estes países, não é o nosso desenvolvimento que lhes interessa, interessa-lhes sim, que sirvamos de amostra de que os países africanos não podem lograr um desenvolvimento sustentável, interessa-lhes que descarrilemos para mostrarem como estavam certos nos seus prognósticos, para que finjam sentarem-se para elaborar mais um plano e/ou metas de desenvolvimentos dos gabinetes dos seus arranhas céus, sem atenderem as nossas reais necessidades.
E os 7 milhões parecem querer contrariar esta lógica e, isto não lhes agrada. Não lhes agrada, quando queremos dar renda e por conseguinte a produtividade do pequeno camponês, comerciante, e, não pode agradar porque estamos a focar a luta contra a pobreza com argumentos certos: criando rendimentos a quem não os tinha.
Daí que, não seja estranho que o pais, estando a mostrar sinais claros de desenvolvimento, apareçam relatórios que nos coloquem numa  posição que contrarie a realidade, mesmo quando notamos melhorias nas infra-estruturas básicas, como estradas e pontes, energia e comunicações, mesmo quando intensificamos as políticas de desenvolvimento na base, mesmo quando aumentamos a produtividade dos pequenos agricultores.
Estes relatórios, são instrumentos castradores das iniciativas de desenvolvimento da economia moçambicana, são obstáculos que enviesam as boas políticas de estruturação económica e de promoção de bem estar para todos.
Há sim desenvolvimento e esforços de desenvolvimento em Moçambique e isto é visível a olho nu, o povo o sabe. Negá-lo, faz parte da estratégia de quem nunca realmente se interessou em nos ver a avançar, de quem nunca quis que tivéssemos ideias próprias, de quem a nossa fragilidade é garantia efectiva da sua existência.
Tomara pois, que um dia sejamos a voz da nossa própria razão e os relatores sejamos nós mesmos, que o orçamento sejamos também nós, que sejamos nós a definir com clarividência a nossa política económica, social e cultural.

Alfredo Jamise

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