quinta-feira, janeiro 22, 2009

Discurso de Tomada de Posse de Barack Obama (em português)

Meus caros cidadãos:

Aqui estou hoje, humilde perante a tarefa à nossa frente, grato pela confiança que depositaram em mim, consciente dos sacrifícios que os nossos antepassados enfrentaram. Agradeço ao Presidente Bush pelo seu serviço à nossa nação, assim como a generosidade e a cooperação que demonstrou durante esta transição.

Quarenta e quatro americanos fizeram até agora o juramento presidencial. Os discursos foram feitos durante vagas de crescente prosperidade e águas calmas de paz. No entanto, muitas vezes a tomada de posse ocorre no meio de nuvens espessas e furiosas tempestades. Nesses momentos, a América perseverou não só devido ao talento ou à visão dos que ocupavam altos cargos mas porque Nós o Povo permanecemos fiéis aos ideais dos nossos antepassados e aos nossos documentos fundadores.

Assim tem sido. E assim deve ser com esta geração de americanos.

Que estamos no meio de uma crise, já todos sabem. A nossa nação está em guerra, contra uma vasta rede de violência e ódio. A nossa economia está muito enfraquecida, consequência da ganância e irresponsabilidade de alguns, mas também nossa culpa colectiva por não tomarmos decisões difíceis e prepararmos a nação para uma nova era. Perderam-se casas; empregos foram extintos, negócios encerraram. O nosso sistema de saúde é muito oneroso; para muita gente as nossas escolas falharam; e cada dia traz-nos mais provas de que o modo como usamos a energia reforça os nossos adversários e ameaça o nosso planeta.

Estes são indicadores de crise, resultado de dados e de estatística. Menos mensurável mas não menos profunda é a perda de confiança na nossa terra - um medo incómodo de que o declínio da América é inevitável, e que a próxima geração deve baixar as expectativas.

Hoje eu digo-vos que os desafios que enfrentamos são reais. São sérios e são muitos. Não serão resolvidos facilmente nem num curto espaço de tempo. Mas fica a saber, América - eles serão resolvidos.

Neste dia, unimo-nos porque escolhemos a esperança e não o medo, a unidade de objectivo e não o conflito e a discórdia

Neste dia, viemos para proclamar o fim dos ressentimentos mesquinhos e falsas promessas, as recriminações e dogmas gastos, que há tanto tempo estrangulam a nossa política.

Continuamos a ser uma nação jovem, mas nas palavras da Escritura, chegou a hora de pôr as infantilidades de lado. Chegou a hora de reafirmar o nosso espírito de resistência, de escolher o melhor da nossa história; de carregar em frente essa oferta preciosa, essa nobre ideia, passada de geração em geração; a promessa de Deus de que todos somos iguais, todos somos livres, e todos merecemos uma oportunidade de tentar obter a felicidade completa.

Ao reafirmar a grandeza da nossa nação, compreendemos que a grandeza nunca é um dado adquirido. Deve ser conquistada. A nossa viagem nunca foi feita de atalhos ou de aceitar o mínimo. Não tem sido o caminho dos que hesitam – dos que preferem o divertimento ao trabalho, ou que procuram apenas os prazeres da riqueza e da fama. Pelo contrário, tem sido o dos que correm riscos, os que agem, os que fazem as coisas – alguns reconhecidos mas, mais frequentemente, mulheres e homens desconhecidos no seu labor, que nos conduziram por um longo e acidentado caminho rumo à prosperidade e à liberdade.

Por nós, pegaram nos seus parcos bens e atravessaram oceanos em busca de uma nova vida.

Por nós, eles labutaram em condições de exploração e instalaram-se no Oeste; suportaram o golpe do chicote e lavraram a terra dura. Por nós, eles combateram e morreram, em lugares como Concord e Gettysburg; Normandia e Khe Sahn.

Tantas vezes estes homens e mulheres lutaram e se sacrificaram e trabalharam até as suas mãos ficarem ásperas para que pudéssemos viver uma vida melhor. Eles viram a América como maior do que a soma das nossas ambições individuais; maior do que todas as diferenças de nascimento ou riqueza ou facção.

Esta é a viagem que hoje continuamos. Permanecemos a nação mais poderosa e próspera na Terra. Os nossos trabalhadores não são menos produtivos do que eram quando a crise começou. As nossas mentes não são menos inventivas, os nossos produtos e serviços não são menos necessários do que eram na semana passada ou no mês passado ou no ano passado. A nossa capacidade não foi diminuída. Mas o nosso tempo de intransigência, de proteger interesses tacanhos e de adiar decisões desagradáveis – esse tempo seguramente que passou.

A partir de hoje, devemos levantar-nos, sacudir a poeira e começar a tarefa de refazer a América.

Para onde quer que olhamos, há trabalho paraa fazer. O estado da economia pede acção, corajosa e rápida, e nós vamos agir – não só para criar novos empregos mas para lançar novas bases de crescimento. Vamos construir estradas e pontes, redes eléctricas e linhas digitais que alimentam o nosso comércio e nos ligam uns aos outros.

Vamos recolocar a ciência no seu devido lugar e dominar as maravilhas da tecnologia para elevar a qualidade do serviço de saúde e diminuir o seu custo. Vamos domar o sol e os ventos e a terra para abastecer os nossos carros e pôr a funcionar as nossas fábricas. E vamos transformar as nossas escolas e universidades para satisfazer as exigências de uma nova era.

Podemos fazer tudo isto. E tudo isto iremos fazer. Há alguns que, agora, questionam a escala das nossas ambições – que sugerem que o nosso sistema não pode tolerar muitos planos grandiosos. As suas memórias são curtas. Esqueceram-se do que este país já fez; o que homens e mulheres livres podem fazer quando à imaginação se junta um objectivo comum, e à necessidade a coragem.

O que os cínicos não compreendem é que o chão se mexeu debaixo dos seus pés – que os imutáveis argumentos políticos que há tanto tempo nos consomem já não se aplicam. A pergunta que hoje fazemos não é se o nosso governo é demasiado grande ou demasiado pequeno, mas se funciona – se ajuda famílias a encontrar empregos com salários decentes, cuidados de saúde que possam pagar, pensões de reformas que sejam dignas. Onde a resposta for sim, tencionamos seguir em frente. Onde a resposta for não, programas chegarão ao fim.

E aqueles de nós que gerem os dólares do povo serão responsabilizados – para gastarem com sensatez, reformarem maus hábitos e conduzirem os nossos negócios à luz do dia – porque só então poderemos restaurar a confiança vital entre o povo e o seu governo.

Não se coloca sequer perante nós a questão se o mercado é uma força para o bem ou para o mal. O seu poder de gerar riqueza e de expandir a democracia não tem paralelo, mas esta crise lembrou-nos que sem um olhar vigilante o mercado pode ficar fora de controlo – e que uma nação não pode prosperar quando só favorece os prósperos. O sucesso da nossa economia sempre dependeu não só da dimensão do nosso Produto Interno Bruto, mas do alcance da nossa prosperidade; da nossa capacidade em oferecer oportunidades a todos – não por caridade, mas porque é o caminho mais seguro para o nosso bem comum.

Quanto à nossa defesa comum, rejeitamos como falsa a escolha entre a nossa segurança e os nossos ideais. Os nossos Pais Fundadores, face a perigos que mal conseguimos imaginar, redigiram uma carta para assegurar o estado de direito e os direitos humanos, uma carta que se expandiu com o sangue de gerações. Esses ideais ainda iluminam o mundo, e não vamos abdicar deles por oportunismo.

E por isso, aos outros povos e governos que nos estão a ver hoje, das grandes capitais à pequena aldeia onde o meu pai nasceu: saibam que a América é amiga de todas as nações e de todos os homens, mulheres e crianças que procuram um futuro de paz e dignidade, e que estamos prontos para liderar mais uma vez.

Recordem que as primeiras gerações enfrentaram o fascismo e o comunismo não só com mísseis e tanques mas com alianças sólidas e convicções fortes. Compreenderam que só o nosso poder não nos protege nem nos permite agir como mais nos agradar. Pelo contrário, sabiam que o nosso poder aumenta com o seu uso prudente; a nossa segurança emana da justeza da nossa causa, da força do nosso exemplo, das qualidades moderadas de humildade e contenção.

Nós somos os guardiões deste legado. Guiados por estes princípios uma vez mais, podemos enfrentar essas novas ameaças que exigem ainda maior esforço – ainda maior cooperação e compreensão entre nações. Vamos começar responsavelmente a deixar o Iraque para o seu povo, e a forjar uma paz arduamente conquistada no Afeganistão. Com velhos amigos e antigos inimigos, vamos trabalhar incansavelmente para diminuir a ameaça nuclear, e afastar o espectro do aquecimento do planeta.

Não vamos pedir desculpa pelo nosso modo de vida, nem vamos hesitar na sua defesa, e àqueles que querem realizar os seus objectivos pelo terror e assassínio de inocentes, dizemos agora que o nosso espírito é mais forte e não pode ser quebrado; não podem sobreviver-nos, e nós vamos derrotar-vos.

Porque nós sabemos que a nossa herança de diversidade é uma força, não uma fraqueza. Nós somos uma nação de cristãos e muçulmanos, judeus e hindus – e não crentes. Somos moldados por todas as línguas e culturas, vindas de todos os cantos desta Terra; e porque provámos o líquido amargo da guerra civil e da segregação, e emergimos desse capítulo sombrio mais fortes e mais unidos, não podemos deixar de acreditar que velhos ódios um dia passarão; que as linhas da tribo em breve se dissolverão; que à medida que o mundo se torna mais pequeno, a nossa humanidade comum deve revelar-se; e que a América deve desempenhar o seu papel em promover uma nova era de paz.

Ao mundo muçulmano, procuramos um novo caminho em frente, baseado no interesse mútuo e no respeito mútuo. Aos líderes por todo o mundo que procuram semear o conflito, ou culpar o Ocidente pelos males da sua sociedade – saibam que o vosso povo vos julgará pelo que construírem, não pelo que destruírem. Aos que se agarram ao poder pela corrupção e engano e silenciamento dos dissidentes, saibam que estão no lado errado da história; mas que nós estenderemos a mão se estiverem dispostos a abrir o vosso punho fechado.

Aos povos das nações mais pobres, prometemos cooperar convosco para que os vossos campos floresçam e as vossas águas corram limpas; para dar alimento aos corpos famintos e aos espíritos sedentos de saber. E às nações, como a nossa, que gozam de relativa riqueza, dizemos que não podemos mais mostrar indiferença perante o sofrimento fora das nossas fronteiras; nem podemos consumir os recursos do mundo sem prestar atenção aos seus efeitos. Porque o mundo mudou, e devemos mudar com ele.

Ao olharmos para o caminho à nossa frente, lembremos com humilde gratidão os bravos americanos que, neste preciso momento, patrulham desertos longínquos e montanhas distantes. Eles têm alguma coisa para nos dizer hoje, tal como os heróis caídos em Arlington fazem ouvir a sua voz. Honramo-los não apenas porque são guardiões da nossa liberdade, mas porque incorporam o espírito de serviço; uma vontade de dar significado a algo maior do que eles próprios. E neste momento – um momento que definirá uma geração – é este espírito que deve habitar em todos nós. Porque, por mais que o governo possa e deva fazer, a nação assenta na fé e na determinação do povo americano.

É a generosidade de acomodar o desconhecido quando os diques rebentam, o altruísmo dos trabalhadores que preferem reduzir os seus horários a ver um amigo perder o emprego que nos revelam quem somos nas nossas horas mais sombrias. É a coragem do bombeiro ao entrar por uma escada cheia de fumo, mas também a disponibilidade dos pais para criar um filho, que acabará por selar o nosso destino.

Os nossos desafios podem ser novos. Os instrumentos com que os enfrentamos podem ser novos. Mas os valores de que depende o nosso sucesso – trabalho árduo e honestidade, coragem e fair play, tolerância e curiosidade, lealdade e patriotismo – estas coisas são antigas. Estas coisas são verdadeiras. Têm sido a força silenciosa do progresso ao longo da nossa história. O que é pedido, então, é o regresso a essas verdades.
O que nos é exigido agora é uma nova era de responsabilidade – um reconhecimento, da parte de cada americano, de que temos obrigações para connosco, com a nossa nação, e com o mundo, deveres que aceitamos com satisfação e não com má vontade, firmes no conhecimento de que nada satisfaz mais o espírito, nem define o nosso carácter, do que entregarmo-nos todos a uma tarefa difícil.

Este é o preço e a promessa da cidadania.

Esta é a fonte da nossa confiança – o conhecimento de que Deus nos chama para moldar um destino incerto.

Este é o significado da nossa liberdade e do nosso credo – é por isso que homens e mulheres e crianças de todas as raças e todas as religiões se podem juntar em celebração neste magnífico mall, e que um homem cujo pai há menos de 60 anos não podia ser atendido num restaurante local pode agora estar perante vós a fazer o mais sagrado juramento.

Por isso, marquemos este dia com a lembrança do quem somos e quão longe fomos. No ano do nascimento da América, no mais frio dos meses, um pequeno grupo de patriotas juntou-se à beira de ténues fogueiras nas margens de um rio gelado. A capital tinha sido abandonada. O inimigo avançava. A neve estava manchada de sangue. No momento em que o resultado da nossa revolução era incerto, o pai da nossa nação ordenou que estas palavras fossem lidas ao povo:

“Que o mundo que há-de vir saiba que... num Inverno rigoroso, quando nada excepto a esperança e a virtude podiam sobreviver... a cidade e o país, alarmados com um perigo comum, vieram para [o] enfrentar.”

América. Face aos nossos perigos comuns, neste Inverno das nossas dificuldades, lembremo-nos dessas palavras intemporais. Com esperança e virtude, enfrentemos uma vez mais as correntes geladas e suportemos as tempestades que vierem. Que seja dito aos filhos dos nossos filhos que quando fomos testados recusámos que esta viagem terminasse, que não recuámos nem vacilámos; e com os olhos fixos no horizonte e a graça de Deus sobre nós, levámos adiante a grande dádiva da liberdade e entregámo-la em segurança às futuras gerações.

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sexta-feira, janeiro 16, 2009

Carta Aberta ao Padre Couto - Melhorar a base e alcançar a qualidade

Carta aberta ao Padre Couto:

Melhorar a base e alcançar a qualidade

1. A Universidade Eduardo Mondlane (UEM) tornou público que os seus cursos passam a ser feitos em 3 anos, o que difere dos 5 que sempre foi o período de duração da licenciatura. Nalguns cursos, os 3 anos eram reservados ao bacharelato, os restantes 2 à licenciatura e depois mais 2 para o mestrado e 4 para o doutoramento. Esta recente inovação dos 3 anos tem levantado alguma polémica e, pos isso, deve ser debatida, para além de que se trata de uma questão de interesse nacional. Polémica nacional.

2. Na verdade, tratando-se de uma decisão tomada a nível da maior e mais antiga instituição de ensino superior no país, as suas repercursões atingirão o país inteiro, em proporções diferentes (para mais) do que aconteceria se o mesmo tivesse sido decidido pelas privadas. A universidade pública, até devido ao seu tamanho, é a que abastece a maior fatia do mercado nacional. Maior fornecedor de quadros.

3. Logo, as opções que se tomam relativamente à sua vida devem merecer um período de reflexão muito mais aprofundado que as restantes (que também devem ponderar devidamente antes de tomar decisões, como é óbvio). Parece que não foi o caso, uma vez que, pelo que se pode perceber, a decisão acabou caindo repentinamente e como que uma surpresa junto do meio académico e intelectual. Reflexão não profunda.

4. Ao tomar conhecimento da medida, através dos órgãos de comunicação social, e tendo procurado saber quais os procedimentos prévios tomados, ouviu-se dizer, por via das más línguas, que o Magnífico Reitor não tem muito o gosto de ouvir o Conselho Académico e, neste caso, particular trouxe a decisão e apresentou como acto consumado contra o qual pouco ou nada se poderia fazer. Gestão não participativa.

5. Quando se toma uma decisão do nível desta, deve-se ter a certeza de que temos, pelo menos, a maioria da sociedade, ou dos intelectuais, ou dos pensadores, ou dos docentes universitários, ou seja do que for que interesse ouvir, do nosso lado. Se temos meia dúzia de colaboradores directos, ou amigos ou duas ou três pessoas, com interesse potencial em alcançar algum objectivo, próximos de nós, e o resto do mundo contra nós, temos a obrigação de recuar. Humildade.

6. O Padre Couto, filho de Nachingweia e irmào de muitos que derramaram o seu sangue pela libertação desta pátria, sabe, melhor do que muitos de nós, que não nos podemos transformar em inimigos ou adversários do nosso próprio povo. Não podemos combater aqueles a quem devemos servir. Com pressa de servir o povo, o Padre pensou em termos muito numéricos e quantitativos e nada qualitativos. Arrisca-se a prejudicar, com uma produção em massa de mediocridade, o seu próprio povo. Sabe que o enlatado faz mal à saúde, Padre. Antigo combatente.

7. Ao posicionar-se contra mais de 80% dos docentes da UEM e quase 100% dos intelectuais deste país, o Padre Couto parece estar sozinho numa questão onde deveria estar ao lado de todos. Daí o nosso apelo ao recuo, e por enquanto, à reflexão mais profunda. Adiamento.

8. A diminuição, Caro Padre, dos tempos dos cursos de licenciatura, em Moçambique, não é um debate novo. Não foi o Padre que trouxe esse debate, nem que o introduziu nos meandros do ensino superior no país. Sempre se disse que tinhamos uma formação superior pesada, antiquada, longa e muitas vezes distorcida dos objectivos que se pretende alcançar no fim do dia. Onde nunca se atingia o tal saber-fazer. Debate antigo.

9. Comparava-se a situação com a dos outros países, onde ao 2º ou 3º ano o indivíduo já é, normalmente, bacharel. Ao fim do tempo em que nós fazemos a licenciatura, os outros já são masters. Contava-se, até, com alguma graça, o facto de alguns de nós, ao chegarmos ás universidades de outros países levando apenas o título de licenciado e pretendendo fazer o mestrado, nos dizerem para entrar directamente no doutoramento – porque, com a carga que possuimos, na licenciatura, para eles já somos mestrados. Formação encurtada.

10. No entanto, meu Magnífico, no nosso país, a diminuição do tempo, por si só, não resolve os problemas. Solução leviana.

11. Os nossos semestres académicos duram pouquíssimo mais de 3 meses. Só se estuda com profundidade nos meses de Fevereiro, Março e Abril. Maio e Junho são meses orientados para os exames. Ou seja, o Padre Couto, ao reduzir o período de formação para 3 anos, está a reduzir a formação superior em Moçambique a pouco mais de 9 meses. Tempo útil curtíssimo.

12. A comparação a outros países que parece ser um dos grandes argumentos para se avançar com a medida é muito errada. Os países que se diz terem esse tipo de formação – África do Sul, Estados Unidos – têm as mesmas condições de ensino que as nossas? Colocando a questão ao contrário: O nosso país tem condições de ensino semelhantes as dos Estados Unidos? Claro que não. Então, não copiemos os modelos de países tão diferentes do nosso. Não transportemos modelos de ensino de países onde há mestrados e doutorados sem emprego, para um país onde não há professores dos níveis mais elementares. Nunca vi um licenciado a dar aulas na escola primária no nosso país. Nesses países – de onde estamos a copiar, e mal, o sistema – há doutorados a darem aulas na 1ª classe. Há manuais gratuitos, acesso à internet, laboratórios, livros, bibliotecas, excursões, viagens e visitas de estudo – tudo isso na escola primária. Não há alunos a estudar sentados no chão, em baixo de árvores. Comparação ridícula.

13. Com muita pressa, e quando perguntamos a colegas sobre as razões de tão precipitada medida na UEM, diz-se: É assim em todo mundo! Mas esquecemo-nos que, no tal todo mundo, não há professores de 12ª mais 1, 7ª mais 3, um processo de formação de professores que deforma mais os professores do que os alunos. A pressa é inimiga da perfeição.

14. Caro Padre, não podemos dizer que há falta de polícias e, acto contínuo, recrutamos 10.000 cidadãos, ensinamos a disparar uma pistola e uma AKM e colocamo-los no mercado, após uma semana de formação. Nem sequer dizer que há falta de enfermeiros e ensinar alguns milhares de homens e mulheres a dar uma injeção e colocar nos centros de saúde. Do motorista ao mecânico vai uma distância impossível de transpor só com o decurso do tempo. Nem com 50 anos de experiência um motorista pode ser um mecânico. A menos que o carro avarie todos os dias e aí teriamos um mecânico sem conhecimento científico, mas tão somente um curioso. O tempo de serviço dá experiência, e isso é muito bom, mas não dá conhecimento científico que se possa transmitir. E sobretudo não dá avanço na ciência. Deformação.

15. Os nossos formandos, após os famigerados 3 anos, até podem saber o básico e essencial na sua área. Mas nunca terão o conhecimento suficiente para trazerem avanço na ciência, darem luzes e pistas a outros colegas para trazerem mais valia e descobertas. Serão apenas meros reprodutores do básico que aprenderam. E quando teremos os cientistas moçambicanos? E quando estaremos ao nível de competir no mundo? Não queremos ser repetidores de afirmações, sem nenhuma criatividade, sem nenhuma obsessão pela pesquisa e pelo progresso científico e académico. Se hoje temos bons técnicos e bons quadros – e disso o Padre se pode orgulhar, pois faz parte do processo – deve-se aos 5 anos de licenciatura. Os 3 nunca experimentamos e nem sequer temos a certeza que trarão o sucesso que se pensa. Reprodutores mecanizados.

16. Todos os dias queixamo-nos de que os doutores de hoje possuem muitos problemas de formação. Escrevem com dificuldade, leem com dificuldade e mal interpretam os fenómenos que lhes são apresentados. Dificuldades actuais.

17. A base de formação da educação está cada vez mais frágil, em termos qualitativos, apesar dos numerosos progressos que fizemos a nível quantitativo com a construção de escolas, abertura do ensino ao sector privado e capacitação de um maior número de professores. Já temos escolas e professores, há ainda um trabalho gigantesco para elevar a qualidade. Qualidade fraca.

18. As revoluções sempre trazem algumas vozes contra. É normal. As grandes e profundas alterações trazem consigo muitas vozes reticentes, discordantes e críticas, muitas vezes baseadas numa análise simplista – até houve cientistas que foram mortos, nos tempos mais remotos, por terem apresentado teses científicas revolucionárias relacionadas com a terra, o sol ou a lua. Não pense o Padre que este artigo insere-se nas vozes do contra, daqueles que se acomodam num sistema e encaram as mudanças como processos de difícil adaptação. Não. Resistência ás mudanças.

19. Mas é óbvio que perante um processo de mudança, as vozes que se erguem contra podem situar-se em 1 de 3 planos: terem razão, não terem razão ou terem razão parcialmente, o que significa que a revolução deve ser feita mais tarde. Crítica permanente.

20. Sempre que se discutiu essa questão do formato dos nossos cursos superiores pocicionei-me do lado revolucionário. A favor das mudanças. Hoje, perante a ideia da diminuição do tempo da licenciatura continuo do mesmo lado. Do lado do Padre Couto. Simplesmente, perante o cenário actual da tal fraca qualidade, do facto de ainda nos encontrarmos num processo de complementar o 8 de Março (através do aumento qualitativo) é mais do que evidente que ainda não é o momento apropriado para avançar com a revolução. Concordo, mas não tão já, Padre. Momento não ideal.

21. Ainda não nos encontramos no momento certo para a mudança. Não que isso se vá prolongar indefinidamente, ou que se possa pensar que nunca haverá um momento ideal – ou que o óptimo nunca chega – nada disso. O nosso país encontra-se, ainda, num processo de crescimento, de afirmação e desenvolvimento científico e cultural. Claro que, não tarda muito, teremos um ensino de qualidade que nos permita fazer cursos superiores de 3 anos num processo que terá muitas das matérias já tratadas pelos alunos na 11ª e 12ª classe. Os que vão para Direito podem ter Introdução ao Estudo do Direito, Direito Constitucional, Administrativo ou do Trabalho nesses anos. São matérias que qualquer cidadão deve conhecer e, mesmos antes do ensino superior, é salutar que com elas tome um primeiro contacto. Na universidade aprende-se as matérias mais específicas e especializadas. Ensino direcionado.

22. O Padre sabe que a guerra pela libertação da nação não se fez com actos precipitados e irresponsáveis. Não se sabia que ali há um grupo de tropas coloniais e avançava-se de forma cega e imprudente só porque queriamos a libertação da nação. Fazia-se, antes, o reconhecimento do local, do número de inimigos, qual o armamento que traziam e quais as nossas capacidades e só depois de tudo ponderado é que se avançava. Só a maturidade e o conhecimento dos verdadeiros objectivos da luta aliados a muita calma, paciência e ponderação trouxeram a vitória.Responsabilidade.

23. As cadeiras que vão ser eliminadas vão para onde? Desaparecem pura e simplesmente? Alguém analisou os planos curriculares, com a profundidade necessária – e não tchapo tchapo, curso a curso, para saber quais as cadeiras que devem desaparecer? Algumas dessas cadeiras devem ir para o ensino secundário ou pré-universitário. O Padre contactou o Ministério da Educação para saber se vão contemplar tais disciplinas nessa classes? Se foram contratados professores? Ou foi feito um exercício Tipo Cozinheiro: Tira esta, esta, esta e aquela. Ficam só as principais. Não pode ser. A partir da 11ª, os alunos que vão para medicina, enfermagem, farmácia e outros curso afins deverão ter algumas cadeiras obrigatórias – que são as chamadas genéricas e que são dadas em todos cursos. Quer dizer, são as que passariam da universidade para o pré-universitário. Que se saiba, o Padre não se deu ao trabalho de tal exercício. São cadeiras que podem parecer desnecessárias, mas no fundo ajudavam os estudantes num exercício amplo de conhecimento geral e de cultura geral. Saber não ocupa lugar.

24. Conheci uma estudante sul-africana que nunca estudou nos bancos da universidade onde se encontra a fazer a sua formação superior. Quando chega a época dos exames, normalmente em Junho e em Dezembro, faz a matrícula nas cadeiras que quer e faz o exame respectivo. Não tem limite em termos de número. Faz o exame do número que quiser. Logo que for aprovada nas cadeiras todas do Curso, independentemente do tempo em que esteve a ser examinada, terá o seu diploma. A base são os créditos que permitem que o aluno seja considerado bacharel, licenciado ou mestrado. A universidade não se preocupa em ter os alunos sentados nas suas cadeiras todo o ano. Interessa-se pelos resultados e por isso é uma instituição aberta que utiliza o dinheiro das matrículas para pagar os docentes que corrigem as provas. Os alunos que terminem os créditos estarão preparados para entrar e competir no mercado de trabalho. Podiamos, por enquanto, introduzir esse sistema na UEM. Formação auto-didacta baseada em créditos.

25. Já se fala em greves silenciosas e em sabotagens não declaradas na UEM. Os docentes não vão sabotar porque estão a pensar neles, nem sequer porque não acreditam no modelo. Acreditam e gostariam que um dia ele fosse adoptado, seria bom para todos nós – os filhos dos docentes irão beneficiar-se com isso. Por isso, eles estão de acordo quanto ás vantagens do modelo. Mas ele não começa com a UEM sozinha na corrida. Deve envolver o ensino secundário e pré-universitário, os outros institutos profissionais e as instituições onde os tais profissionais deverão fazer um estágio prático, antes de avançarem para o mercado do trabalho. Trabalho conjunto.

26. Tenha calma, Padre.Estamos consigo, mas não se precipite. Teremos na UEM uma base de formação em 3 anos – o que até será muito bom. Mas não é ás pressas. Se tem boa vontade, trabalhe para melhorar a ensino desde a escola primária. Estabeleça convénios para que a UEM participe na formação ou capacitação dos professores que lecionam da 1ª a 4ª classe. Faça cursos específicos para melhoramento do nível dos professores, de forma permanente – para que saibamos que, na UEM, todo o ano há acções de ensino para professores não universitários. Inicie o processo de transferência dessas cadeiras para o pré-universitário. Ajude a transformar a (inaceitável) formação 12ª mais 1 ou a 7ª mais 3 em algo mais benéfico para o professorado em Moçambique, eliminando definitivamente a banalização de tão nobre profissão. Formação de base com qualidade.

27. Daí, o meu apelo para a observância da qualidade. Após décadas de independência, não se preocupe em correr para ter número, mas sim para ter qualidade, sob pena de resvalarmos para um abismo, onde as instituições de formação superior colocarão no mercado milhares de quadros sem qualidade e que, ao invés de contribuirem para o conhecimento trazendo novas e interessantes abordagens, tornar-se-ão cidadãos com um diploma nas mãos e nada na cabeça. Sem poderem ajudar-se a si próprios e ao país em que vivem. Qualidade, qualidade e qualidade.

28. Sabe, Padre, perguntei, há cerca de 6 meses, a alunos meus do secundário se conheciam Eduardo Mondlane, responderam: Já ouvimos falar, mas não estamos a ver quem é. A nossa academia tem que ser suportada por profissionais de qualidade, que sabem de onde vieram, onde estão e para onde vão. Correr não é chegar.

Jorge de Oliveira

Secretário-Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos

Mestrado em Ciências Jurídicas pela UEM


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