sexta-feira, abril 11, 2008

MUGABE É APENAS UM DOS BONS ALUNOS DA POLÍTICA OCIDENTAL

MUGABE É APENAS UM DOS BONS ALUNOS DA POLÍTICA OCIDENTAL


Por Gustavo Mavie


Se o desfecho que o governo de Robert Mugabe vier a dar ao enigma das eleições realizadas no seu país a 29 de Março último for, definitivamente, o de renegá-las mesmo que se venha provar que as perdeu, como tudo indica ser essa a sua intenção, não há duvida que será apenas mais um político que se irá impor contra a vontade da maioria, expressa na boca das urnas, com a diferença de que, desta vez, quem estará por detrás dessa rejeição, não desfruta da bênção e muito menos do apoio e da protecção das poderosas nações ocidentais.
Com efeito, e para o benefício dos que não sabem ou têm memória curta, já antes deste caso, houve outros povos que viram as suas vontades anuladas, como foi o caso da vitória da Frente Islâmica, na Argélia, que tinha sido a preferência do povo daquele pais numa das eleições realizadas na década passada naquele país, mas que o governo argelino dessa altura preferiu ir à guerra com aquele partido islamista, que defende o fundamentalismo. Há que recordar que para tomar essa decisão de anular e considerar nula e sem efeito essa vontade da maioria dos argelinos, o mesmo governo argelino teve a bênção e o apoio camuflado das mesmas nações ocidentais, que viram nisso como correcto, dado que para eles, todos os fundamentalistas são uma espécie de células ou agências activas dos terroristas de bin Laden.
Do rol de eleições anuladas ou melhor, asfixiadas, e cujos vencedores se viram hostilizados e combatidos por todo o tipo de armas pelas nações ocidentais, afigura-se, em ponto grande, a vitória do Hamas na Palestina como o caso mais gritante, e que a menos que a memória nos falhe, não há paralelismo na historia da humanidade.
Como nós todos nos recordamos, após a vitória do Hamas, os mesmos países ocidentais que tanto se arvoram de campeões da democracia, seus defensores e promotores acérrimos, como se pode ver agora no Iraque - onde os EUA e o punhado de seus aliados têm estado a matar impiedosamente todos os que se opõem à sua democracia - aplicaram sanções àquela formação política palestiniana para inviabilizar a sua governação. E inviabilizaram mesmo porque como dizia Mandela durante a primeira Cimeira Social realizada no ano de 1995 em Estocolmo, está mais do que provado que não se pode ser bom governante, ou ter-se uma democracia em bom estado de saúde, quando se tem um povo sem nada para comer e hospitais sem medicamentos. Como sabemos, os EUA aplicaram ao Hamas sanções selectivas, especialmente de raiz financeira mas que nem com isso deixaram de afectar o povo palestino, tal como o fazem agora à ZANU-FP e aos seus líderes, porque para eles, aquela formação política palestiniana é um bando de extremistas e terroristas que ameaça a civilização ocidental, não obstante tenha sido democraticamente eleita pelo seu povo. Com essas sanções, os EUA e os seus aliados quiseram dizer com elas que não estavam de acordo com a sua opção em termos do partido que deve dirigir os seus destinos.
Quer dizer, para eles, é legítimo e justificado a todas as luzes negar as opções políticas dos povos, proclamadas através da votação nas urnas, mas já negam esse direito aos outros, como está acontecendo agora com Mugabe.
Bem vista a coisa, deviam entender que tal como eles, os outros governos os seus próprios inimigos, que portanto não os pode reconhecer de forma alguma o direito de desfrutar do poder, ou de os substituir na liderança do seu país. Ora, se os EUA e todos os seus aliados não aceitaram que a Frente Islâmica ou, já agora, o Hamas, governasse, como era a vontade da maioria dos argelinos e palestinianos, porque é que Mugabe não pode negar dar o poder ao MDC e a Morgan Tchvangirai, em função da animosidade que nutre deles ou do que ele acha que são, que é que são uma criação dos inimigos do Zimbabwe, tanto mais que nunca escondeu. E não valerá de nada tentar questionar o método que um certo governo usa para definir os seus inimigos, porque, como Mandela disse uma vez, os inimigos de uns, podem ser amigos de outros e vice-versa, daí que ele tenha se recusado aceitar os apelos de certos países ocidentais que queriam que ele se abdicasse da sua amizade com certos líderes que neste caso o Ocidente não os quer ver mesmo que estejam pintados a ouro, como o Coronel Khadafy e Fidel Castro, como era a vontade de certos países ocidentais. É que esta coisa de se ser amigo ou inimigo deste ou daquele é complicado. Por exemplo, durante as lutas pelas independências aqui na África Austral, o Ocidente alinhou com os regimes colonialistas e racistas, indo ao ponto de os fornecer as armas com que combatiam os movimentos de libertação, porque os via como agentes do terrorismo e da expansão do comunismo internacional.
Ora, vai daí que, do mesmo modo que para o Ocidente foi um erro que argelinos e palestinianos tenham votado pela Frente Islâmica ou Hamas, também Mugabe pode estar a considerar que os seus compatriotas se enganaram e votaram no MDC. Tanto mais que nem sempre a maioria tem razão. É só ver como é que o povo da Guiné-Bissau elegeu um Kumba Yalá. Ou será que tais países ocidentais não dão validade à célebre frase da então Primeira-Ministra britânica, Margareth Thatcher, de que nem sempre o que tem o apoio da maioria é correcto? É preciso ver que uma das provas de que ela tinha e tem razão, é que mesmo Hitler que foi eleito democraticamente, ele desencadeou a pior guerra mundial de que já se registou na face da Terra. E porque é que tem que ser Mugabe a respeitar religiosamente a vontade da maioria do seu povo, se os EUA e todo o Ocidente não respeitaram a vontade dos palestinos.
Se os EUA não aprovaram a vontade dos palestinianos, porque entendem que o Hamas é uma organização terrorista, caso Mugabe venha a negar de vez entregar o poder ao MDC, ou partilhá-lo com este movimento, deviam aceitar essa sua opção, porque para ele também o MDC e o seu líder não são uma oposição legítima, mas sim, uma criação e prolongamento do imperialismo, como bem o vinca ele numa entrevista que deu ao NewAfrican, e que foi publicado na sua edição de Maio do ano passado.
Para ele, é esse imperialismo que tem imposto ao seu país sanções económicas veladas, que acabaram provocando o descontentamento da população, com a intenção de levá-la a votar na oposição como parece ser o caso agora. De resto, ele pode ter razão, já que todo o mundo sabe que regra geral, o propósito das sanções é provocar o descontentamento no seio das populações, para que durante as eleições vote contra o governo do dia, para que possa derrubar, sem que se recorra à força das armas.
Dito doutro modo, as sanções são a arma preferida do Ocidente para derrubar um regime que eles não gostam e que se sujeita a eleições periódicas, como é o caso do Mugabe. Onde não há eleições, este tipo armas não costuma ser bem sucedida, dai que se recorra à força das armas, como foi o caso do Iraque onde as sanções não surtiram o desfecho que se esperava, que era derrubar Saddam Hussein para se ter o petróleo que ele não deixava ser explorado ao preço da banana. Como se viu que as sanções não resultavam, forjou-se um facto e acusou-se lhe de ter armas de destruição massiva, e se lhe derrubou com a força das armas. Para não correrem o risco dele voltar um dia ao poder, executaram-no, mesmo depois de se provar que não tinha armas nenhumas e muito menos ligações com a Al Qaeda.


NEGAR O DIREITO E OPÇÕES DOS POVOS É UMA VELHA PRÁTICA DO OCIDENTE


Na verdade, o terem negado reconhecer a opção pelo Hamas da maioria dos palestinianos ou da Frente Islâmica pelos argelinos foi uma continuação da sua velha prática do Ocidente de se opor a tudo o que não serve os seus interesses. Já antes, as nações ocidentais mostraram-se contra a luta que os então povos colonizados travavam contra os países que os colonizavam, como foi o caso de nós moçambicanos.
Por exemplo, quando o povo sul-africano lutava contra o apartheid, e o seu líder carismático Nelson Mandela minguava na cadeia, os países ocidentais forneciam armas àquele regime, alegando que o faziam porque estava lutando contra a expansão do comunismo internacional.
Aliás, o mesmo Mandela viria, após sair da cadeia, elogiar Cuba num discurso que pronunciou quando da visita de Fidel à Africa do Sul, castigando na altura todos os que insistiam que ele renegasse a amizade que mantinha com o líder cubano e o seu país da seguinte maneira: muitas pessoas, muitos países, incluindo muitos poderosos, têm nos instado a condenar a supressão dos direitos humanos em Cuba. A todos temos recordado que têm uma memória curta. Isto porque quando batalhávamos contra o apartheid, contra na opressão racista, os mesmos países apoiavam o regime do apartheid – um regime que apenas representava 14 por cento da população, enquanto a maioria do povo do país não tinha nenhum direito. Eles apoiaram o regime do apartheid. E nós acabamos combatendo com sucesso o regime com o apoio de Cuba e outras forças progressistas, disse Mandela em tom sereno e naquela sua voz vibrante, antes de vincar que agora eles querem que sejamos apenas seus amigos, indo ao ponto de se darem ao luxo de nos instar a renunciarmos aqueles povos que nos ajudaram a fazer da nossa vitória possível.
Tal como o dizia nesse discurso Mandela, é curioso notar que os mesmos países ocidentais que hoje fazem barulho para que Mugabe aceite a derrota tangencial neste caso que parece ter sofrido, não param também de lançar criticas aos restantes países da região, acusando-os de nada fazer para forçar o líder zimbabweano a ceder o poder.
O que eles querem, é que os líderes da região renunciem a amizade que têm com o Mugabe que com eles marcharam nas mesmas fileiras no tal tempo em que os povos da região era tratados como bestas para carga, e por isso mesmo lutavam pelas suas independências ou pela erradicação dos regimes racistas. Não aceitam que os outros tenham os seus amigos e aliados, tal como eles os têm e nunca os abandonam em momento algum, como sabem defendê-los a todo o custo, como o têm feito em relação a Israel, não obstante esteja a ocupar há mais de 60 anos as terras palestinas, e esteja a matar todos os que são contra essa ocupação, tal como os EUA têm estado a matar todos os iraquianos que são contra a ocupação do seu país.
Como bem o diz Mugabe, os ocidentais pecam por negar aos outros povos, o que eles mesmo fazem, como quando eles teimam em manter os arsenais nucleares, mas já não aceitem que outros países as tenham também.
Como já disse num dos artigos, esta atitude do Ocidente de negar aos outros o que eles fazem e praticam com a maior das naturalidades, leva-me a compará-los àqueles mulherengos que não toleram que as suas esposas tenham também amantes. Eles podem se opor à vitória do Hamas, como à eleição de um Allende que acabaram apoiando a sua morte trágica pelo regime de Pinochet em 1973, para não implantar o comunismo no Chile, mas já Mugabe não pode se opor a ascenção ao poder de um partido que, para ele, ´´não é mais do que uma criação de Tony Blair e do seu aliado George Bush´´, para que seja alternativa aos seu governo, de modo a que promova no Zimbabwe os interesses da Grã-Bretanha e dos EUA.

PARA MUGABE O SEU PAÍS ESTÁ EM PÉ DE GUERRA CONTRA O OCIDENTE

O que poderá levar Mugabe a fincar os pés, e a optar por não ceder o poder que ainda detém, é que ele entende que o seu país está sendo alvo de duas guerras que visam derrubá-lo a si e ao se governo – que é a guerra económica, que se traduz em sanções do tipo bloqueio como se tem imposto a Cuba, e que, como se sabe, provoca a carência de quase tudo, e a guerra psicológica, que visa moldar um pensamento anti-Mugabe na mente dos zimbabweanos, para que pensem em função da perspectiva que o Ocidente quer que pensem.
Lendo o que Mugabe tem dito, tudo indica que ele acredita que o momento em que o país vive não permite que todos os zimbabweanos pensem e analisem tudo o que se está passando de modo lógico e correcto, daí que ele poderá preferir anular o resultado eleitoral, uma vez que parece estar convencido que se está em presença da tal maioria que não está correcta.
Aliás, pouco antes das eleições de 29 Março último, Mugabe já havia deixado claro que nunca iria entregar o poder à oposição, porque, para ele, esta mesma oposição foi criada de fora para agir como Pôncios Pilatos.
Ora, se para Mugabe tudo se resume numa guerra económica e psicológica, o mundo deve estar preparado a vê-lo lutar até ao fim, porque como se diz, os homens se tornam mais obstinadas e teimosas à medida que a sua idade avança. E Mugabe conta agora com a respeitada idade de 84 anos, o que certamente lhe permitiu ver tanta coisa boa e, acima de tudo, ruim, porque, infelizmente, é o que mais abunda no mundo, incluindo o insólito ocorrido nos EUA, em que Bush teve menos voto popular, mas que se apoderou do poder na sua primeira eleição, quando a maioria dos americanos havia optado por Al Gore. São estas e outras coisas que deverão levar o velho Mugabe a dizer no seu apurado inglês frases como esta: if Mr Bush did assume the presidency withouth having been voted for by the majority of his people, why should I not do the same as well, o que, em português, significa que ´´se o senhor Bush assumiu a presidência sem ter sido votado pela maioria do seu povo, porque é que eu não posso fazer o mesmo!Esta é a questão que se deve tomar em consideração pelos que acham que Mugabe deve entregar o poder ou reconhecer a derrota. Não é coisa fácil para ninguém, incluindo para os que se arvoram de pais da democracia. Que o diga Kibak e Bush que tiveram de dar o pontapé ao voto popular… Para mim, Mugabe é apenas um bom aluno do Ocidente. Para tal, basta ver como ele assimilou a língua inglesa.
gustavomavie@gmail.com
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