quinta-feira, outubro 01, 2009

O Apocalipse da democracia moçambicana




Nem sempre é fácil estabelecer comparações, no entanto, certas vezes em que tentamos fazer esse exercício somos interpelados pelos critérios que para tal nos apegamos. Como ponto de partida vou trazer o exemplo de um retrato feito pelo fotógrafo e o outro feito pelo artista plástico.

No primeiro caso um fotógrafo munido de uma camera digital de 12 megapixels tem a possibilidade de fazer mais do que 3 retratos por minuto com uma qualidade e nitidez de imagem invejável. No segundo caso, um artista plástico com ajuda do seu equipamento de trabalho – tinteiro, pincéis, tela, etc. - pode levar um par de horas para fazer um retrato. Porém no final de tudo existem os apreciadores quer de um quer do outro trabalho. Embora o retrato do artista plástico seja de admirar, a sua qualidade e precisão não será a mesma que a dos retratos feitos pelo fotógrafo pois estes levam vantagem a dobrar graças a ajuda da tecnologia. Nesta comparação fica meio embaraçoso atribuir mérito ao trabalho de um em detrimento do outro pois ambos fazem um trabalho semelhante – o de retratar a natureza através de imagens – usando meios diferentes. Naturalmente que um tem a vantagem de usar tecnologias que permitem a rapidez e precisão nos retratos enquanto que o outro tem a vantagem de fazê-lo de forma mais natural mostrando a habilidade humana de observar e retratar na tela.

Escusado seria que um destes se vangloriasse alegando fazer melhor trabalho, muito menos o fotógrafo pois este tem muita parte do seu trabalho facilitado pela tecnologia que usa em sua camera digital de 12 megapixels. Poderíamos no entanto fazer uma transposição deste exemplo para o cenário que se vive na campanha eleitoral de Moçambique (2009) em que perfilam intervenientes com perfis distintos.

Por um lado temos os partidos da oposição e por outro o Partido Estado que vem governando Moçambique desde a sua independência (1975) e que sempre tem levado vantagem nos escrutínios que se vem realizando desde 1994 (1999; 2004). Trata-se portanto de um partido que em principio tem muito para ganhar as eleições comparativamente aos seus opositores. Talvez seja por isso que os partidos da oposição, vezes sem conta, proferiram acusações contra o partido no poder de usar a verba pública para financiar as suas campanhas eleitorais e até mesmo viciar os resultados. Verdade ou não isso não importa neste momento como talvez seria em relação ao discurso actual deste partido na corrida às eleições gerais de 2009. O seu slogan principal reza que a FRELIMO é que fez e quem faz, acrescentando-se à isso uma estação televisiva privada passou uma reportagem sobre a campanha eleitoral deste partido no estrangeiro frisando ser o único a fazê-lo na diáspora comparativamente a oposição.

Ora bem, está-se perante algo semelhante à uma comparação desleal pois o partido no poder tem todas as vantagens possíveis pelo facto de ter um Governo constituido quase que oficialmente pelos seus membros. Naturalmente que é difícil separar os feitos do governo aos do partido. Durante o mandato de 5 anos, o discurso oficial ostenta a bandeira Governamental e na altura da campanha eleitoral a ostentação vira para a bandeira partidária que reivindica para si todos os feitos do Governo. Tal facto seria talvez pouco provável se o Governo fosse inclusivo – incorporando em cargos de direcção alguns membros dos partidos opositores. Numa estrutura governativade miscigenação politico-partidária seria pouco provável a confusão entre as fronteiras do Governo e do partido político dominante. Isso não significa porém que o partido no poder não tenha expressão no seu governo, mas esta deve-se manifestar no sentido fiscalizador e tomada de decisão ao mais alto nível na composição da sua estrutura governativa, sendo o resto manifestado ao nível parlamentar.

Ao nível da Diáspora o Partido FRELIMO tem muitas oportunidades de fazer a campanha eleitoral pois tem os seus membros a trabalharem nas embaixadas e consulados, em que nenhum partido da oposição tem os seus elementos.

A comparação acima aludida seria feliz quiçá, se o partido no poder tivesse células a funcionarem fora das embaixadas com instalações requintadas de equipamento a sua altura, e acima de tudo adquiridas com as cotas mensais dos seus membros. A comparação entre os feitos da FRELIMO e os dos partidos opositores teria mérito se talvez o primeiro construisse escolas e infra-estruturas públicas, da dimensão da ponte que liga Chimuara e Caia, com receitas provenientes das cotas mensais dos seus membros. Se assim fosse e não-se visse o mesmo exercício por parte dos restantes partidos da oposição talvez poderíamos aceitar a superioridade de uns sobre os outros.

Conforme se disse no início nem sempre é fácil estabelecer comparações e principalmente quando isso ocorre numa altura em que nos encontramos movidos por emoções ou quaisquer laços de afinidades – religiosas, étnicas, politicas, entre outras. Comparações tendenciosas soam de forma ruidosa quando provenientes de órgãos de comunicação social que reivindicam imparcialidade politico-partidária. Propalando-se uma postura dessa natureza no seio da imprensa pode-se correr o risco de se cair naquilo que poderia chamar de Apocalipse da democracia moçambicana.

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6 comentários:

Julio Mutisse disse...

Sambo, desculpe-me acompanhou a campanha para as eleições legislativas em Portugal? Viste algum distanciamento entre o PS (partido) e os feitos do Governo (do PS) durante a legislatura que findava?

Querias que a FRELIMO não mostrasse ou não dissesse ao povo que lhe confiou o poder o que andou a fazer em 5 anos? Acho pouco estranha a sua sugestão se é que a entendi bem.

Mais, mesmo que o Governo se assemelhasse a um GUN devido a inclusão de gente vinda de outros quadrantes políticos, a direcção desse Governo a quem estaria entregue? Ao Presidente da República que é o candidato da FRELIMO e que teve o mérito de fazer uma equipe governativa boa que teve um desempenho feliz que interessa mostrar em tempo de campanha. Não acha?

Book Sambo disse...

Alo Mutisse,
Fico satisfeito pela interpelação que me faz, no entanto permita-me partilhar uma ideia.
No debate sobre a clássica questão relativa a existência ou não de Deus; prefiro ter como interlocutores todo e qualquer ser pensante que não seja um Padre ou algo parecido. Não que eu tenha alguma aversão aos leigos, mas simplesmente por se tratar de uma temática que lhes inspira muita sensibilidade. Assim sendo eles estariam predispostos a debater de forma emotiva, e acima de tudo baseando-se na fé, num contexto em que se pretende o uso da razão. Como consequência o debate seria infrutífero.
Um abraço,

Adriano Berger disse...

Sambo, estou impressionado com a firmeza e clareza de suas argumentações. Não estando a par da política de seu país, pude ter um bom parâmetro do que acontece por aí somente na leitura desse texto. E digo que minha indignação corresponde completamente com a sua opinião.

Somando-se ao recente episódeo da escolha do Sr Sócrates em Portugal e às manobras políticas em minha terra natal, o Brasil, cada vez mais estou certo de que a política é muito mais complexa do que qualquer outro tema, pois envolve ganho de dinheiro, poder e favores baseando-se principalmente no princípio da influência pessoal e partidária. A hipócrita afirmação de interesse por algum cidadão ou fortalecimento da nação como instituição popular me provoca cada dia mais nojo ao olhar na face dessa gente.

Sei que há excessões... mas esses jamais alcançam o poder, vamos morrer esperando.

Vou acompanhá-lo de perto, me identifiquei com sua verdade.

Um forte abraço,
Adriano Berger
http://nanoberger.blogspot.com

Book Sambo disse...

Caro Berger,
Fico grato pelos seus elogios e acima de tudo por ter compreendido o cenario politico de Mocambique.
Um abraco enorme,

book sambo

www.booksambo.net

Kudumba disse...

Caro Sambo, respeito a tua opinião. Mas, e seguindo na esteira de Berger, a política é um jogo de interesses, e não vale a pena culpar os políticos pelo seu comportamento. Eles estão a seguir somente os desígnios da "profissão". Esta situação que descreve até pode ser rotulada de diferente, mas se vista de um ponto de vista do funcionamento das democracias mais consolidadas. Se veres a situação política de toda a África, verás que só existem algumas zonas de penumbra, o resto é tudo igual. Estamos num processo de transformação. Para mim a democracia não se mede pela honestidade dos políticos, mas sim pela sabedoria do povo. Não vale nada acusar os políticos se não temos um povo sábio com capacidade de se posicionar conforme as suas necessidades a longo prazo. Tudo isto resume-se numa única verdade: qualquer um que chegue ao poder agirá da mesma forma. Há condições para isso!

Book Sambo disse...

Caro Américo,
Achei o seu posicionamento bastante interessante principalmente pelo facto de ter incidido sobre um argumento sobejamente conhecido. Isso pode-se verificar naquilo que considerou de a “única verdade”. Porem importa referir que tenho uma outra forma de ver as coisas. Na minha modesta opinião, não acho que a politica como profissão tanto quanto o exercício da democracia signifique desonestidade, falsidade, irresponsabilidade, preguiça, ignorância, nepotismo, crime organizado, corrupção, e todos outros valores imorais e não éticos.
Como qualquer outro moçambicano a minha preocupação prende-se com o futuro que queremos para o nosso pais em termos de desenvolvimento humano e sócio-económico. Estou a falar das infraestruturas publicas, saneamento do meio, melhor prestação dos serviços públicos e privados, saude, literacia, e em suma um bem estar social para os moçambicanos em geral e não apenas para meia dúzia de indivíduos que se aproveitam da ignorância e analfabetismo do povo para um enriquecimento ilicito. Isso não significa que não hajam desigualdades sociais, mas uma redução do fosso entre os ricos e pobres.
Um abraco,

book sambo