caro amigo,
o que me incomodou na discussão foi que se parecia bastante com a
situação naqueles colégios religiosos em que se distribuiam santinhos
aos bem comportados e se trocavam bonecos da bola no recreio.
A questão da nacionalidade de cada um é uma questão demasiado íntima
para ser trazida à praça pública e não julgo que seja atribuição do
vulgo a de concordar ou discordar com a cor do passaporte de cada um,
justamente porque contém essa parte íntima que só a cada um respeita.
É por isso mesmo que toda e qualquer legislação nesse sentido nunca
pode ser desprovida de injustiça implícita.
Mesmo se essa legislação é indispensável para clarificar as coisas.
Pessoalmente tenho dupla nacionalidade e dou-me muito bem com isso.
Não me sinto menos português por isso nem também só meio francês.
Entre o país que me viu nascer e de que falo a língua e o que me
acolheu, me pagou os estudos e onde trabalho e contribuo para a
prosperidade geral, a dupla nacionalidade pareceu-me ser a mais justa
e a mais simples das respostas a esta ambiguidade que as
circunstâncias da vida me impuseram.
A maioria dos portugueses recusa a dupla nacionalidade.
Pessoalmente discordo mas acho que é uma atitude tão respeitável
quanto a minha e não admito que quem quer que seja venha por em causa
a legitimidade das duas posições.
A lei permite-o e cabe a cada um adoptar a solução que corresponde
mais ao seu foro íntimo.
Estas coisas são aliás muito melindrosas. Porque por vezes (o mais das
vezes) derivam para o racismo puro e simples.
Por exemplo o facto de se pensar sempre nos europeus como brancos e
nos africanos como negros, como se, ao fim de 500 anos de contacto (no
Mediterrâneo desde há pelo menos 2 500 anos), não tivessem existido
deslocamentos de população nem imigrações de parte e doutra.
Lembre-se dos Númidas do Império Romano e dos Faraós negros do Egipto
que são hoje em dia sistematicamente "pintados de branco".
Sempre conheci negros em Portugal, mesmo antes das independências.
Tenho família moçambicana branca, se vier a França ficará espantado
com o número de negros perfeitamente franceses que aqui vivem, etc.
Quando se toca nestas considerações corre-se o perigo de cometer
graves injustiças.
Os antilheses são franceses desde o século XVII. Nos media franceses e
para a polícia francesa (que no entanto conta muitos negros na
corporação), são sempre vistos como africanos.
Nada mais injusto nem estúpido.
Por isso falo de que se deve ter em conta os sentimentos dos interessados.
Com o que se passa na Europa, temos de ter muito cuidado com estes
debates porque não são meras considerações mais ou menos chauvinistas
que estão em causa mas os direitos de vários milhões de pessoas que se
deveria, no mínimo, deixar viver em paz.
Quando procurava emprego e apresentava o meu BI francês, quantas vezes
não houvi responderem-me : Pois é, mas o senhor, o que é é português.
Acredite que é extremamente humilhante. Uma pessoa sente-se com se
estivesse a usar papeis falsos ou a tentar uma fraude.
E o meu foro íntimo francês, como acha que se sente?
Pessoalmente, quando encontro seja quem for, abstenho-me de lhe
perguntar qual é a sua nacionalidade e espero, caso seja mesmo
necessário, que seja o próprio a manifestar-se.
Para mim trata-se do mínimo de respeito que lhe devo porque um sotaque
ou uma cor de pele nunca fizeram uma nacionalidade.
Tito Livio Santos Mota
Vou ali morrer um pouquinho
-
*“A morte é única arte *
*para qual todos temos talento”*
Me espera, vou ali morrer um pouquinho!
Estou cansado.
A minha mente já não me obedece. ...
Há 9 meses
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