segunda-feira, março 02, 2009

Nova especialidade jornalística?

Nova especialidade jornalística?

Por Ericino de Salema*

A Embaixada dos Estados Unidos da América (EUA) lançou, sexta-feira última, dia 27 de Fevereiro, o relatório anual do seu Departamento de Estado sobre Direitos Humanos em Moçambique. No dia seguinte, sábado, adquiri uma cópia do diário Notícias, na esperança de que veria algo sobre a publicação dos irmãos da terra do “Tio Sam”, em forma de notícia, reportagem ou artigo de análise, mas nada; coisa normal esta, atendendo e considerando que os jornais não são elásticos, ao que se acresce o facto de cada jornal ter os seus critérios de noticiabilidade.

Guiado por esse espírito de inelasticidade dos jornais, esperava, quando percorria as páginas do mais antigo diário moçambicano desta segunda-feira, 2 de Março, ver algo sobre aquele relatório, ao qual ainda não tive acesso, tendo em conta o carácter ‘universal’ da noticiabilidade de certos factos. E não estava enganado! Lá vi uma notícia sobre o documento, mas em moldes diferentes daqueles em que os manuais de jornalismo recomendam.

Para ser mais directo: vi, na página três do Jornal Notícias de hoje, a reacção da ministra da Justiça, Benvinda Levy, e não matéria a explicar, em sinopse ou não, o que diz o relatório dos EUA sobre Direitos Humanos em Moçambique. “Justiça e Direitos Humanos com avanços e retrocessos”, titula o Notícias, para, em subtítulo, escrever: “considera Benvinda Levy, reagindo ao relatório do Departamento de Estado norte-americano”.

Que inovação jornalística é esta, caros compatriotas, que, em desabono da mentira, nem é assim tão nova nas páginas do mesmo título, particularmente quando o assunto são críticas ao desempenho do dia? Que será dos que somente lêem o Notícias? Terão razão os que dizem que o Notícias é um jornal governamental? Que será de nós no dia em que o domingo se antecipar ao sábado?

Ainda na manhã desta segunda-feira, enquanto caminhava ao meu local de trabalho, ouvi, no “Café da Manhã”, da Rádio Moçambique (RM), o mano Emílio Manhique a “entrevistar” a ministra da Justiça. Logo a começar a conversa, Manhique foi buscar um trecho aparentemente incómodo, para depois pedir a reacção da “convidada”. Fê-lo como se já soubesse qual é a opinião da ministra sobre o documento, indo directamente às questões específicas. Recebeu algum guião, comrade Manhique?

Quando um governo se desdobra em reacções e/ou desmentidos, usando e abusando do seu poder sobre alguns espaços mediáticos, costuma a ser um forte indício de que pode haver muito de verídico no que se procura “aclarar”…

Ou estaremos em presença de uma nova especialidade jornalística?

* Autor do Blog www.mediaepoliticamoz.blogspot.com
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2 comentários:

Tomás Queface disse...

A única solução é ir a embaixada americana pedir uma cópia do relatório. Eu acredito que tem muita sujeira cometida pelo governo nesse relatório. Este país de democracia e liberdade não tem nada. Estamos lixados, nunca saberemos o que exactamente está acontecer por detrás dos acontecimentos

Farha Abdula disse...

Existe jornalimo em Moçambique? Eu realmente ando desacreditada quanto a essa questão. Não sei se ler o jornal Notícias é viável, não pelo conteúdo das matérias, ou pela pauta que eles escolhem publicar, mas pela maneira como jornalismo é feito e encarado em Moçambique. Normalmente o que espero de um profissional dessa área é que eles saiam à rua pra procurar matéria, mas o que vejo na tv, no jornal impresso, é que a maior parte deles está à espera que as notícias caiam ao colo prontas, e são publicadas de maneira a não "afetar" suscetibilidades, não "ferir" "certas emoções", talvez. Isso já é um assunto muito polêmico.
Fugindo um pouco do tópico do teu comentário, e falando de TV. É muito triste ligar a televisão em Moçambique para ver o jornal Nacional, de qualquer emissora, e ver pessoas completamente despreparadas como apresentadores. É falta de profissionais? Então incentivem os jovens a ganharem uma formação na área, façam palestras nas escolas e expliquem o que é ser jornalista, não procurem jornalistas no programa FAMA da STV, pq certamente essas pessoas não vão nem saber de que assunto estão a falar. É necessário acordar a consciência das pessoas pra essa questão, porque no nosso país, precisa-se de jornalistas urgentemente, que despertem opiniões, critiquem, bem ou mal, mas que façam alguma coisa. Uma só pessoa, não vai conseguir mudar isso, pode até começar, mas com certeza vai ser vencida pelo cansaço.
Mas através do teu blog, já vai ser um bom começo. Parabéns!